quarta-feira, 23 de maio de 2012

TEMPO - LITERATURA - HISTÓRIA


               Eu sempre fui fascinado por histórias de ficção científica pelo tanto de possibilidades que elas nos apontam. Dentro do universo da FC há um tema que fascina até mesmo os próprios cientistas: as viagens no tempo. A possibilidade do deslocamento temporal tem ocupado espaço primordial em livros e em filmes já há um bom tempo. Mas qual teria sido a primeira obra literária sobre o assunto e que aspectos extra-literários podemos sacar da mesma? Será este o pontapé inicial deste meu texto.
               Temos em A Máquina do Tempo (1895), de H. G. Wells, um exemplo fascinante não só de uma excelente obra literária como também de como a maneira de ver do historiador pode interferir em sua forma de escrever/contar/entender seu objeto de estudo. Mas antes de entrar na análise do livro em si, deixe-me expor uma pequena ideia para melhor me fazer entender.
               É aceito que quando uma pessoa lê um livro qualquer, suas experiências influem na sua compreensão do que está lendo; sendo assim um mesmo livro poderá ser compreendido de formas diferentes por pessoas diferentes em épocas diferentes, caracterizando o ato de leitura também como um ato de escrita.
               Da mesma forma se dá com o historiador: ao estudar um livro de notas da Idade Média, um quadro renascentista ou a forma de distribuição dos cômodos de uma casa da Grécia Clássica, ele estará “lendo” a história, dando-lhe sua própria interpretação que pode, assim como a leitura de um livro, seguir parâmetros já estabelecidos por outros ou dirigir-se por caminhos quase completamente novos, digo “quase” porque qualquer que seja sua interpretação própria, sempre terá de haver um ou mais pontos de referência para o historiador.
               É possível perceber na obra de H. G. Wells alguns exemplos do que estou propondo: o Viajante do Tempo, após os primeiros contatos com o mundo do ano 802.701, começa a criar conjecturas a respeito de como a sociedade teria chegado aquele ponto, conjecturas estas que modificam-se e/ou complementam-se gradativamente à medida que ele se vê diante de dados novos. Entretanto, suas interpretações do que vê e descobre estão sempre “contaminadas” pelos conceitos existentes nos fins do século XIX, alguns exemplos:

·         Ao observar a vida coletiva, desprovida de moradias individuais e de vestes especificas para cada indivíduo, o Viajante do Tempo pensa: “Comunismo” (Cap. 5, p.39); numa clara alusão ao que se tinha por socialismo na época de Wells.
·         Olhando mais atentamente para as compleições físicas dos Elois e notando a grande semelhança entre homens e mulheres, o Viajante chega à conclusão de que, com o fim das dificuldades do homem, a robustez era desnecessária, gerando-se daí o declínio da humanidade. É aqui que o narrador diz: "Pela primeira vez comecei a compreender uma estranha conseqüência dos esforços sociais em que hoje estamos empenhados."(Cap. 5, p.41) [grifo meu].
·         É  possível notar que o Viajante do Tempo tem uma preocupação em entender a história; para ele "os problemas desse mundo precisavam ser aclarados"(Cap. 7, p.55). É a mesma preocupação de um historiador, que pretende encontrar respostas que preencham as lacunas existentes no que já se conta na história.
·         Seu primeiro contato com um Morlock faz com que ele reformule uma vez mais suas hipóteses, e à medida que conhece mais e mais a época na qual foi parar estas hipóteses também se modificam.
               Um leitor mais atento poderá captar nestes e em outro trechos do livro de Wells, verdadeiras descrições de sua época, ideologias políticas, projetos sociais e até mesmo situações, como no trecho abaixo:


               Afinal de contas, as condições sanitárias e a agricultura de hoje estão ainda numa fase rudimentar. A ciência de nosso tempo atacou apenas uma faixa insignificante no campo doenças humanas, mas ainda ela continua a desenvolver-se com firmeza e obstinação. A agricultura e a horticultura destroem uma erva daninha aqui e ali, e cultivam tão-só uma vintena de plantas úteis, deixando que a grande maioria dos vegetais lute como puder para encontrar o equilíbrio natural. Aperfeiçoamos nossas plantas e animais favoritos - e como são poucos! - gradativamente, praticando a criação e o cultivo seletivos: hoje um pêssego melhor, uma uva sem caroço, amanhã uma variedade de flor mais bela e mais perfumada, ou uma espécie de gado mais produtivo. Esse aperfeiçoamento é desenvolvido aos poucos, porque nossos conhecimentos são limitados e não sabemos ao certo o que desejamos. Por sua vez, a Natureza mostra-se tímida e lenta em nossas mãos inábeis. Algum dia, tudo isso estará mais bem organizado; e cada vez mais. Essa é a direção da corrente, apesar dos redemoinhos. O mundo inteiro será instruído, inteligente e cooperativo. A Natureza será subjugada numa progressão cada vez mais veloz. Por fim, reajustaremos o equilíbrio da vida animal e vegetal para que se adapte às necessidades humanas. (Cap. 5, p. 41-2)

               Temos aí não apenas um retrato da estrutura agrícola e das relações do homem com a Natureza no século XIX, mas também as expectativas que esta estrutura de relações abria quanto ao futuro.
               Percebe-se um ponto interessante em suas hipóteses a respeito das relações entre Elois e Morlocks: na primeira, os Morlocks são tomados como a classe subalterna (porque subterrânea) que deve subserviência aos Elois; na segunda (a “real”), os Elois são cevados pelos Morlocks, estes sendo a classe verdadeiramente dominante. A humanidade dividira-se não mais em senhores e servos, mas em criadores e “gado”.

               Eis aqui o ponto interessante ao qual me referi no parágrafo anterior: apesar de tremendamente díspares entre si, as duas hipóteses são figuradas pelo Viajante do Tempo como resultado de um mesmo ponto de partida, o da exploração da classe operária e sua conseqüente desumanização, uma preocupação já existente na época em que o livro foi escrito e que continua atual.
               Toda obra literária (e cinematográfica) pode conter elementos que, futuramente, servirão de "atalhos" para se compreender, ainda que sutilmente, o funcionamento da sociedade na época e lugar em que foi escrita (ou filmada). Mesmo um romance que se passe no século XII, mas que foi escrito no século XX, conterá elementos inerentes ao seu século de origem, elementos estes que interferem na maneira como o romance será contado, pois tendem a estabelecer um ponto de vista; é o caso, por exemplo, de O Nome da Rosa de Umberto Eco: a trama se desenrola na Idade Média e torna possível um certo conhecimento de alguns costumes da época, porém o próprio texto recebe as influências (inclusive estilísticas) do século em que foi escrito. No cinema podemos citar centenas de filmes, de épicos, como Ben-Hur, a filmes mais recentes, como em Resgate do Soldado Ryan; o primeiro apresenta o velho maniqueísmo "do herói contra o vilão" (o que não tira suas qualidades de "filmaço"); o segundo mostra a guerra do ponto de vista americano com o mesmo maniqueísmo do "bem contra o mal" (comentário idêntico ao anterior).
               Da mesma forma um livro cuja trama se passa no futuro terá seu texto impregnado pela época na qual foi escrito, as situações do presente gerando as perspectivas do futuro; bons exemplos são livros como Admirável Mundo Novo (Aldous Huxley), 1984 (George Orwell), Fahrenheit 451 (Ray Bradbury), Um Estranho Numa Terra Estranha (Robert A. Heinlein) e o próprio A Máquina do Tempo de Wells, além de filmes como O Show de Trumam, com Jim Carrey, e A Última Esperança da Terra, com Charlton Heston, inspirado livremente no livro de Richard Matheson I am a legend, que mais tarde foi levado novamente aos cinemas com Will Smith.
               Pode-se concluir que na literatura a história pode ser apresentada e encontrada de forma direta ou indireta, sua confirmação pode surgi até mesmo de sua própria negação, bastando, para tanto, uma leitura atenta e despojada de ideias pré-concebidas.
               Volto então ao questionamento inicial: Não seria o historiador um leitor, em primeiro lugar? Prefiro concluir que SIM, que ele "lê a história" da mesma forma que se lê um livro e que, ao escrever sobre a história ele desempenha o mesmo papel de um romancista, passando para o papel aquilo que ele considera importante e relevante, fazendo, portanto, sua leitura do mundo.
               LITERATURA & HISTÓRIA: dois conceitos independentes e ao mesmo tempo indissociáveis.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

WELLS, H. G. A Máquina do Tempo (The Time Machine). Trad. de Fausto Cunha. 20 ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves Editora, 1983.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Em maio


a casa,
a estrada em sinuosidade,
as pedras,
os grilos,
os montes e os vales,
a história de um passado
sempre a ser presente;
coroas caídas,
torres de prece,
homem que sonha
e se faz
menino passarinho.
máter dulce entronada
e o fim ilusório a seus pés.
imagenssouvenires nos olhos e na bolsa.
sorriso incansável
companhia companheira
finalcomeço do inominável,
ponte etérea ligando dois sins.
entrega
troca
(com)partilha
suspiros e bocejos de uma tarde espreguiçadeira
sonhos,
ideais,
planos...
e a pedra-cidade por testemunha.
Petrópolis
18/05/2009

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Ainda a poesia


     A poesia tem sido uma das principais formas de expressão da Literatura. Em todos os tempos, em toda parte, em qualquer cultura, lá está a expressão poética.
     Passam-se as eras e o interesse por tal matéria permanece vivo. Mesmo na atualidade, nessa época de Internet e tecnologia, vemos como o ser humano ainda se volta para os versos e as imagens poéticas. Exemplo disso é a enormidade de sites, blogs, comunidades virtuais que se multiplicam na rede. Sem esquecer dos eventos literários que têm se tornado mais e mais comuns (felizmente) nas grandes e pequenas cidades.
     Mas afinal de contas, por que tanto interesse em algo [aparentemente] tão comum? Vejamos a palavra do crítico e professor Ítalo Moriconi:
     Para a tribo dos leitores, a poesia traz sobretudo promessa de prazer. É gostoso ler poesia. Para alguns, é até mais gostoso que ler romance. Por certo, é mais gostoso que filosofia. Poesia respira, joga com pausas, alterna silêncios e frases (os versos). Poesia é bonito na página, é festa tipográfica. Festa para os olhos. Ritmo visual que vira sonoro, quando lemos o poema em voz alta. Imaginação e sabedoria combinadas numa certa vertigem, a velocidade das estrofes. Linguagem concentrada que, no entanto, pode distender-se, estender-se. Todos os cinco sentidos traduzidos, por meio da palavra, em coisa mental. Coisa mental que se pode comunicar pela fala, guardar na página ou na memória, que nem talismã.* (grifos meus)
     Acredito que o que o eminente professor procura demonstrar é, em outras palavras, que o ser humano sente verdadeira necessidade da poesia. E que a poesia, por sua vez, tem a facilidade de arrebatar aqueles que se predispõem a parar um pouco e lê-la ou escutá-la.
     Vai aqui um depoimento pessoal: eu tinha meus 8 anos de idade quando fui a um evento filantrópico com meus pais. Não me lembro direito do que foi mostrado naquele encontro, mas me lembro de um senhor moreno, cabelos grisalhos e jeito simples ser chamado ao tablado (havia algumas mostras artísticas); ele cumprimentou o público, agradeceu a presença de todos e começou a falar de uma forma que u nunca tinha visto antes. As palavras saíam de sua boca num ritmo que parecia música, mas não havia nenhum instrumento musical sendo tocado, seguindo numa cadência encantadora.
     Eu estava deslumbrado! Aquilo que eu ouvia me despertara da sonolência natural em uma criança de 8 anos que vai a um evento para adultos. As palavras fluíam e eu me sentia arrastado pelas águas bravias e ao mesmo tempo aconchegantes de um rio que parecia correr pelos meus ouvidos e que logo me envolvia por inteiro. Nem percebi quando acabou e me lembro de ter ficado com as mãos doendo de tanto aplaudir àquele senhor que depois se sentou e ficou muito quietinho. Ele voltara para seu lugar, mas eu ainda o olhava de longe, espantado...
     No caminho de volta, lembro de ter tido uma conversa com meu pai que foi mais ou menos assim:
     – Pai, o que era aquilo que aquele moço tava falando lá no palquinho?
     – Aquilo, meu filho, se chama poesia. Ele estava declamando poesia.
     Nesse dia nasceu uma paixão em mim: pela poesia! Uma paixão que se estendeu ao poeta que conheci naquele dia, João Prado. Uma paixão que me acompanhou pela infância e adolescência e que foi fundamental na escolha de minha profissão. Paixão que procuro transmitir aos meus alunos no dia a dia da sala de aula.
     Acredito que a poesia e os poetas são detentores dessa capacidade de despertar a paixão nas pessoas. O gosto e o amor pela vida. O encantamento pela existência e por tudo o que existe no mundo.
     Eu sei que existem aqueles poetas que traduzem em versos as angústias humanas, mas mesmo esses acabam por legar aos leitores páginas ricas de paixão poética.
     Não temos como prever que tipo de poesia teremos daqui para adiante, mas acho pouco provável que a poesia deixe de existir e de encantar os homens. Afinal, o ser humano tem necessidade de paixão.

MORICONI, Ítalo. Como e por que ler a poesia brasileira do século XX. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.